A série "The Walking Dead" é baseada nos quadrinhos de mesmo nome de Robert Kirkman, mas, à medida que o seriado exibido nos Estados Unidos pela AMC se aproxima da metade da segunda temporada, começa a se afastar - e, às vezes, muito - do material que lhe serve de inspiração.
Para Sarah Wayne Callies, que interpreta Lori Grimes, por várias razões essa foi a melhor - e talvez a única -saída.
"Para começar, seria um desserviço aos fãs se eles soubessem exatamente o que vai acontecer em cada episódio porque, afinal, já conhecem a história", reflete Sarah, cuja personagem faz parte do triângulo amoroso central, que também inclui seu marido, o xerife Rick Grimes (Andrew Lincoln) e o melhor amigo dele, Shane Walsh (Jon Bernthal). "Acho que ficaria muito chato. Além do mais, fui contratada para interpretar e não para imitar um desenho."
"Outra coisa também é que Robert Kirkman (produtor executivo e roteirista da série) foi sensacional, apontando os erros que pensa ter cometido nos quadrinhos, e acha que essa é uma oportunidade de corrigi-los", ela continua. "Também acho que, embora os fãs da HQ, sob vários aspectos, sejam a razão da existência da série, a maioria dos telespectadores não conhece a história e, mesmo assim, se tornou fã do seriado. Nós temos que respeitar essa relação que eles construíram com os personagens e que existe independentemente dos quadrinhos.
"Tem muita coisa em jogo", ela admite. "Claro que é ótimo ter uma fonte de material para não ter que questionar coisas do tipo: 'E agora, para onde vamos?'. Sabemos muito bem como desenvolver a história e temos consciência do momento de respeitar a HQ e também de alterá-la."
Tanto os fãs dos quadrinhos como os do seriado adoram Lori, que funciona como os olhos e ouvidos do público enquanto ela, Rick, Shane e os outros sobreviventes fazem o que podem para escapar dos zumbis, ao mesmo tempo em que lutam para manter sua humanidade. Lori também é, como todos nós, uma pessoa cheia de defeitos, lutando contra vários conflitos.
"Ela olha para o grupo, especialmente para Rick e Shane, e vê o esforço tremendo que esse pessoal está fazendo para salvar a vida de todo mundo", Sarah conta por telefone do set de filmagem da série em Atlanta. "Ela e, até certo ponto, Dale (Jeffrey DeMunn) são as pessoas que dizem: 'Maravilha, só que não basta. Temos que ser seres humanos, não só criaturas vivas. Temos que enterrar nossos mortos, honrar o passado. Temos uma responsabilidade moral e ética uns para com os outros, mesmo tendo feito muitas bobagens'".
"Sem querer, Lori traiu o marido com o melhor amigo dele", a atriz explica, "e defende um comportamento ético por parte dos seres humanos que restaram. Dentro do grupo, de certa forma, ela acaba se tornando uma matriarca. É ela que insiste em manter os rituais, além de segurar a barra de todo mundo e manter a esperança. É uma mulher que não se considera feminista, mas sim uma dona de casa no sentido em que consegue manter uma noção de lar para as pessoas num mundo que é um verdadeiro inferno. É uma posição de poder, e é o que torna a personagem tão interessante".
Lori e "The Walking Dead" vão ficar ainda mais interessantes: no episódio que foi ao ar nos EUA no dia treze de novembro, "Chupacabra", ela descobre que está grávida, mas não sabe quem é o pai. Pode ser Rick, mas também pode ser Shane, de quem se aproximou quando achou que Rick tinha morrido. Vale notar que, nos quadrinhos, Lori também fica grávida – mas Shane morre na sexta edição, com um tiro disparado por Carl, filho de Lori e Rick, interpretado na TV por Chandler Riggs.
"Então, como eu estava dizendo, ela é um exemplo bem acabado de hipocrisia", Sarah continua, "porque aponta as coisas certas e erradas, mas não sabe o que fazer com o bebê. Representa uma figura interessante para o público como a de uma mulher consumida pela dor, pelo remorso e por seus erros, ao mesmo tempo em que tenta ajudar os outros a tomar decisões melhores que as suas próprias. Acho que ela não pode se vangloriar de ser nenhuma autoridade moral", a atriz prossegue, "mas foi a posição em que se viu. É muito estranho dizer: 'Precisamos dar o melhor de nós mesmos e... ah, a propósito, talvez eu esteja grávida do melhor amigo do meu marido'".
Os dois próximos episódios, "Secrets" e "Pretty Much Dead Already", exibidos nos dias 20 e 27 de novembro, vão explorar as consequências da notícia da gravidez de Lori.
"Lori, no terceiro episódio desta temporada, tentou convencer Rick de que talvez a maior prova amor em relação ao Carl fosse deixá-lo morrer", Sarah explica. "Esses dois episódios deixam bem claro que Lori acha, por razões bem óbvias, que aquele mundo não é um lugar para criança. É bem provável que o público assista esses episódios, reflita sobre o que ela diz e pense: 'Caramba, ela está certa'".
"Há decisões importantes a serem tomadas a respeito do futuro das crianças", ela continua, "e cada uma delas a um preço muito alto. Eu tenho uma filha de quatro anos. A minha ideia é a de educá-la para ser independente, criativa, corajosa... mas não sei se Lori poderia dizer por que ela educa o Carl ou o filho que ainda nem nasceu. Não tem certeza se estará viva para isso".
"Então, ela se pergunta: 'O que estamos fazendo aqui?'", Sarah conclui. "Uma possibilidade é a de que escolhemos viver com esperança e não com medo, mesmo que isso custe a vida de todos. É uma retórica maravilhosa, mas colocá-la em prática, com um filho vivendo naquele inferno e outra ainda por nascer... a realidade é bem diferente".
(Ian Spelling é redator freelancer de Nova York.)
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