A morte de civis é uma coisa rara nos games. Todas as guerras no mundo real resultam na perda de vidas inocentes; danos colaterais são uma cruel realidade dos conflitos. Mesmo assim, a maioria dos jogos de guerra acontecem em arenas perfeitamente planejadas, com cada um dos “times” marcado claramente, e sem a presença de inocentes.
Spec Ops: The Line tentou ser diferente em diversos aspectos, mas um dos mais marcantes foi em como abordar a morte de civis. Talvez o mais marcante disso tudo tenha sido que as cenas mais provocativas do jogo não pareciam deslocadas ou gratuitas.
Spoilers de Spec Ops: The Line a seguir
Spec Ops conta a história de três soldados que se metem na agora-destruída cidade de Dubai procurando por um coronel desertor e sua tropa perdida. O que se segue é uma jornada infernal. A mente e a moral dos soldados são testadas ao limite. É uma reflexão fascinante sobre o papel do jogador num jogo de guerra, e trata-se de um jogo que é relevante tanto por suas falhas quanto por seus acertos.
Em uma cena particularmente forte, perto do fim do jogo (vídeo abaixo), o protagonista Capitão Walker e seu companheiro Adams estão procurando pelo terceiro membro do esquadrão, Lugo. As coisas fugiram do controle, os três estão à beira de um colapso. Eles estão feridos, impacientes uns com os outros, e a situação caótica não dá sinais de melhora.
Adams e Walker encontram Lugo sendo linchado por uma multidão de civis furiosos. Walker atira na corda em que Lugo está sendo enforcado, e parte para tentar revivê-lo. Em qualquer outro jogo, Lugo voltaria à vida no último minuto, mas aqui não – Lugo está morto, e agora a multidão avança sobre Walker e Adams.
Você é colocado numa situação impossível, sem saída, e fica dominado pelo medo, pelo stress. Você não consegue atravessar a multidão, porque eles empurram você de volta. Eles começam a jogar pedras, o que vai deixando você cada vez mais próximo da morte. A mira da arma aparece na tela. Parece que só existe uma saída.
Quando você abre fogo, os civis imediatamente fogem. Essa é uma das “linhas” a que o título do jogo se refere. E numa guerra de verdade, essa linha é cruzada o tempo todo, com certeza. Uma pessoa está ameaçando você. É difícil dizer se ela é um civil ou um soldado inimigo. O que você faz?
Eu conversei na semana passada por telefone com Walt Williams, escritor de Spec Ops. Nós falamos sobre essa cena, e também sobre a abordagem que ele deu a outros elementos potencialmente controversos do jogo.
“Nós queríamos que fosse uma situação bastante caótica”, ele disse. “Bem como seria na vida real. Existe um jeito de sair dali [sem atirar nos civis]. Você pode assustá-los, atirar para cima. Mas eu acho que a maioria dos jogadores provavelmente acabou atirando neles, fosse necessário ou não.”
“Sei que nos grupos de teste, várias pessoas atiraram nos civis mesmo que não quisessem, ou pensaram que essa era a única saída. Mas a situação foi projetada para você pensar desse jeito. Queríamos que você se sentisse muito pressionado, sem saber o que fazer. ‘Nós temos que atirar neles. Eles estão ficando violentos, o que nós vamos fazer?’. Porque é exatamente assim que um soldado naquela situação iria pensar. Colocar o personagem nesse mesmo clima foi fundamental para grande parte do jogo. E acho que nós conseguimos acertar, graças a deus, porque foi uma das partes mais difíceis.”
Williams reconhece como é fácil entender errado esse tipo de coisa. “Você comete um deslize aqui, e compromete todo o resto”, ele disse. “Nós passamos um pente fino sobre isso incontáveis vezes, para ter certeza de que não houvesse nada no jogo que estivesse lá só para chocar. Por exemplo, tínhamos uma regra rígida desde o começo, de que não poderia haver civis ao menos que houvesse uma razão real – tinha que existir uma razão orgânica e narrativa para ter essas pessoas na cena. Não queríamos simplesmente ter civis correndo por aí, no fogo cruzado, porque então seria ‘o jogo em que você mata inocentes o tempo todo’”.
Perguntei a Williams se houve alguma coisa que precisou ser cortada do jogo. Ele diz que parte da brutalidade do ambiente foi removida porque acabou sendo excessiva, assim como uma cena que mostrava um civil com uma bomba amarrada no peito. “Basicamente, era ‘você mata estes inocentes, ou aqueles inocentes?’. Acabaria passando a sensação de que Konrad e seu 33º batalhão eram uma espécie de Coringa, ou vilão dos quadrinhos. E apesar de termos algo parecido com isso mais tarde no jogo, com os dois homens pendurados na placa de trânsito, era mais uma questão de escolha, um aspecto ‘meta’ do jogo, em que Walker pode optar por A ou B, mas a real escolha é: você vai fazer o que o jogo está mandando, ou você vai tentar fazer alguma coisa diferente? E foi por isso que essa escolha em particular permaneceu no jogo, porque ela estava diretamente envolvida com o que estávamos tentando fazer com o arco da história, que é falar de jogador vs. jogo”.
Eu fiquei assustado por não ter considerado que a cena de atirar em civis era questionável. Isso é um problema? Sim. Mas é justamente esse o ponto; isso pareceu necessário, ao passo em que a fase “No Russian”, de Call of Duty: Modern Warfare 2, não pareceu.
Williams disse que sua equipe trabalhou para evitar a confusão de “no Russian”, e a solução mais fácil foi fazer da morte dos inocentes parte integrante da história que eles estavam tentando contar. “O que mais me incomodou [em No Russian] foi que você poderia optar por não jogar. E isso me pareceu um sinal de alguém dizendo ‘Nós queríamos fazer algo que causaria controvérsia, mas que na verdade não é necessário para o jogo, então você pode optar por não jogar esse trecho’.”
“Nós nos desdobramos para ter certeza de que tudo que pudesse ser controverso fosse absolutamente necessário, que surgisse a partir dos eventos anteriores, e que fosse diretamente ligado à história. Algo que, se você tirasse, mudaria totalmente a história.”
Fonte: www.kotaku.com.br
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